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Posto de Escuta

Achados numa página ou rua algures.

Achados numa página ou rua algures.

30.12.24

Fiquei interdito, com o braço por cima da sua anca, porque ela, posto me tivesse mandado bugiar - para a minha experiência psicológica aquilo era um despique - esquecia a mão no meu peito. E por muito tempo, enquanto por cima de nós se apagavam as estrelas e a Lua corria ao fundo do céu por entre as montanhas de nuvens papos-de-rola, assim quedámos. Dormi? A súbitas julguei ouvir cantar um passarinho. Sim, era uma nota branda, celeste, breve, como envergonhada de vir perturbar o silêncio do mundo adormecido. Pus-me à escuta. A colcheia subiu de tom, derramou no céu a claridade dum raminho de cravos brancos.
— Já canta a tutinegra — exclamei eu.

Excerto de "Cinco réis de gente", citado no livro "Guia das Aves de Aquilino Ribeiro".

30.12.24

Daniel Carrapa, no blog A barriga de um arquitecto:

Um dos traços curiosos desta nova internet foi a perda da memória. Os blogues eram facilmente pesquisáveis através de um arquivo cronológico gerado automaticamente. Mas nas novas plataformas que se seguiram, pesquisar o passado é uma tarefa sempre difícil. No Instagram, no Twitter ou no Facebook, as ferramentas de busca são restritas e pouco intuitivas, como se o atrito fosse não tanto uma falha, mas uma característica. O que prevalece é o “feed”, como se só o agora existisse.

 

26.12.24

Isso não significa que a única boa conversa numa montanha seja sobre a montanha. Todos os tipos de temas podem iluminar-se a partir de dentro pelo contacto com ela, tal como o são pelo contacto com outra mente, e assim a discussão pode ser interessante. No entanto, ouvir é melhor do que falar. (...) No entanto, muitas vezes, a montanha dá-se mais completamente quando não tenho destino, quando não chego a lado nenhum em particular, quando saio unicamente para estar com a montanha, como alguém que visita um amigo, sem qualquer intenção a não ser a de estar com ele.

Nan Shepherd, em "A Montanha Viva".

26.12.24

O sono diurno também é bom. No calor do dia, depois de nos termos levantado muito cedo, deitarmo-nos, em plena luz do dia, nos cumes e cair no sono e dele sair é um dos luxos mais doces da vida. Porque adormecer na montanha tem o delicioso corolário do acordar. Sairmos da desorientação do sono e abrirmos os olhos para a encosta escarpada e para a ravina, espantarmo-nos porque nos havíamos esquecido de onde estávamos, é recuperar algum desse prístino assombro raramente saboreado. Não sei se é uma experiência comum (não é, certamente, vulgar no meu sono normal), mas quando adormeço ao relento, talvez porque o sono ao relento seja mais profundo do que o normal, acordo com a mente vazia. A consciência de onde estou regressa quase de imediato, mas, durante um breve momento, olhei com surpresa para um lugar familiar como se nunca antes o tivesse visto.

Nan Shepherd, em "A Montanha Viva".

19.12.24

Gary Snyder, no seu livro "A prática da natureza selvagem":

Uma vez extintos, os grandes vertebrados altamente adaptados jamais regressarão nas formas sob as quais os conhecemos.
Podem decorrer centenas de milhões de anos até que o equivalente a uma baleia ou a um elefante surjam de novo, se é que voltam a surgir. A actual escala da perda excede tudo o que o planeta já viu. «A morte é uma coisa, o fim do nascimento é outra, bem diferente» (Soule e Wilcox, 1980).

18.12.24

João Lopes, num post intitulado "A morte quotidiana do pudor", no blog sound + vision:

Os exemplos de utilização dos telemóveis não passam de uma gota de água num oceano de relações humanas em que o pudor é quotidianamente assassinado em nome de uma indiferença visceral. Indiferença em relação aos outros, sem dúvida, mas também indiferença de cada um em relação às singularidades e enigmas da sua própria identidade.

18.12.24

Ainda Martin Latham, nas "Crónicas de um livreiro":

Procuramo-nos reflexivamente uns aos outros na imaginação, através dos oceanos e através dos séculos. Sentimo-nos mais aconchegados numa biblioteca porque todos albergamos o sentimento de que nenhum homem é uma ilha. A biblioteca um sonho de conexão. As ideias sonhadas em massa tornam-se realidade.

18.12.24

Martin Latham, nas suas "Crónicas de um livreiro":

Nem a Inquisição, nem a Sorbonne conseguiram refrear a paixão dos parisienses por livros por ideias. É quase como se essa extrema censura e esse absoluto controlo mais não fizessem do que alimentar essa paixão. Um visitante alemão do século XVIII mostrou-se perplexo:
«Todos em Paris leem. Todos, mas as mulheres, em particular, andam com um livro no bolso. As pessoas leem enquanto andam de carruagem ou enquanto passeiam; leem nos intervalos do teatro, nos cafés, até mesmo quando estão a tomar banho. Mulheres, crianças, artífices e aprendizes leem nas lojas. Aos domingos, as pessoas leem sentadas nos alpendres das suas casas: os lacaios leem nos bancos traseiros, os cocheiros, nas suas boleias, e os soldados, enquanto montam guarda» (Citado por Belinda Jack em The Woman Reader.)

18.12.24

Martin Latham, em "Crónicas de um livreiro":

Os primeiros prelos eram geridos por imigrantes, na sua maioria provenientes da Alemanha. Johann Heynlin, por exemplo, que em 1470 dirigiu a primeira prensa na Sorbonne, e que nas suas instalações deu origem à palavra cliché - o som que um grupo de palavras frequentemente combinadas produz quando as suas letras de metal se encaixam na bandeja do tipógrafo.

17.12.24

Aquilino Ribeiro, citado no livro "Guia das Aves de Aquilino Ribeiro":

Reparem para o ninho do marantéu [papa-figos]. Edificou-o na pernada mais alta de um carvalho. Mesmo à beirinha, o vento balouça-o como um berço, mas não o deita abaixo. É talvez o modo de os filhos adormecerem mais depressa. A questão é que esteja bem seguro. Está seguríssimo. O pai marantéu de sua boca segregou uma saliva que prende os fiapos e palhinhas voláteis às franças melhor que cimento. Tal como as andorinhas. Parece sobretudo garantido contra o inimigo número um dos Pássaros: o garoto.
O garoto, com efeito, pilha o ninho do gaio, do pombo, da torda, da rola, trepando como um esquilo pelos fustes mais lisos. Mas a este não se atreve ele. Só um gato poderia levar a pirataria a bom termo.

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