02.08.24
Quando a ópera sai à rua, há um efeito de dessacralização. O que é reservado passa a ser público, onde se espera silêncio surge ruído perturbador. Os sagrados da arte profanam-se. Quebram-se as convenções da sala e as distinções de classe (hoje é gratuito para todos), apesar de haver ainda uma hierarquizacão dos "melhores lugares" (para quem os apanhar). Quebra-se sobretudo a escuta concentrada e a atitude "devota" que vemos nos espectáculos de música clássica. O melómano frustra-se, porque na aparelhagem lá de casa tudo soa mais claro; amante de ópera protesta, que não se sente o frisson da sala nem a real qualidade dos cantores; e o crítico desespera, porque não tem a certeza se foi fífia do naipe das cordas ou o chiar do eléctrico. Mas, apesar de tudo, não deixa de ser surpreendente como largas centenas de pessoas ali ficam (e muitas de pé!) um concerto inteiro. À espera que algo aconteça.
Pedro Boléo, no Público de 29.07.24, num excelente texto sobre uma noite de ópera em Lisboa.